quinta-feira, 3 de junho de 2010

Israel e a estratégia do "cachorro louco"



Publicado no Resenha Estratégica:


Atribui-se ao lendário general Moshe Dayan o conceito de que, para ser respeitado, Israel precisaria atuar no cenário internacional como um cachorro louco, de quem todos têm receio. Efetivamente, desde a sua criação, o Estado judeu tem seguido rigorosamente tal orientação, utilizando de forma implacável o seu enorme poderio bélico para se impor aos seus opositores islâmicos nos conflitos militares travados contra eles (a exceção foi a derrota no confronto de 2006 com o Hisbolá, no Líbano) e para impor os seus desígnios ao povo palestino, na Cisjordânia e em Gaza. A questão é que, desde a década de 1960, a ira do "cachorro louco" vem sendo incentivada pelos seus donos, os setores mais belicistas do Establishment anglo-americano.

A ofensiva israelense em Gaza, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, foi particularmente reveladora desse conluio de interesses, servindo tanto para reafirmar a postura agressiva de Israel frente aos vizinhos, manchada pela derrota imposta pelo Hisbolá, como para "medir o pulso" do então president eleito Barack Obama, que tinha na solução da crise do Oriente Médio um dos seus comprimissos de campanha. Como explicamos na edição de 14 de janeiro de 2009 desta Resenha:

O brutal ataque militar desfechado por Israel contra a Faixa de Gaza, iniciado em 27 de dezembro, tem diversas motivações que, em conjunto, atendem perfeitamente os interesses dos setores mais radicais do Establishment oligárquico que empregam os aparatos militares dos EUA e de Israel como instrumentos singulares de projeção de poder em regiões-chave para a sua agenda hegemônica global. Além das Forças Armadas, tal complexo inclui indústrias de material bélico, empresas de mercenários, think-tanks, lobistas, entidades midiáticas e acadêmicas e serviços de inteligência, com estreitos vínculos com o sistema financeiro e, frequentemente, redes do crime organizado. Embora formalmente subordinado aos respectivos governos nacionais e ainda que não tenha algo como um "centro de comando unificado", na prática, ele funciona quase como uma instituição em si própria, dotada de grande capacidade de influência e controle dos postos oficiais cruciais para a formulação das políticas governamentais de Washington e Tel Aviv. Por isso, não raro, os observadores políticos superestimam a influência israelense nos EUA, deixando de perceber o que, muitas vezes, são respostas comuns a diretrizes emanadas do mesmo complexo de interesses oligárquicos.

Recentemente, as reiteradas ameaças militares de Israel contra o Irã e o implacável ataque à chamada "Flotilha da Paz", que levava ajuda humanitária a Gaza, num esforço de romper o bloqueio israelense, se inserem no mesmo contexto - que, para aqueles círculos hegemônicos, encontra-se ainda mais agravado pelo aprofundamento da crise econômico-financeira global e, não menos, as repercussões do acordo de Teerã.

O tom belicoso contra o Irã, que se acentou no governo de Benjamin Netanyahu, ganhou novas proporções nos últimos dias, com o anúncio de que Israel passará a manter permanentemente um dos seus três submarinos classe Dolphin no Golfo Pérsico, próximo à costa iraniana, segundo noticiou em 30 de maio o jornal inglês The Sunday Times. Tais belonaves, de construção alemã, são dotadas de mísseis de cruzeiro armados com ogivas nucleares e integram a força de retaliação secundária do arsenal nuclear israelense. A nota, que mais se assemelha a um boletim de imprensa do Ministério das Relações Exteriores israelense, afirma que "os submarinos poderiam ser usados se o Irã continuar com o seu programa para produzir uma bomba nuclear". Um oficial naval israelense não identificado é citado, afirmando: "Os mísseis de cruzeiro dos submarinos têm um alcance de 1.500 km e podem atingir qualquer alvo no Irã."

De uma forma sintomática do tratamento de dois pesos e duas medidas da mídia internacional em relação a Israel e ao Irã, a despeito da intenção visivelmente intimidatória da nota, a repercussão da mesma foi mínima, em um claro contraste com o enorme alarido que acompanha os testes de mísseis iranianos, que costumam fazer primeiras páginas e chamadas dos principais noticiários em muitos países.

Mas o grande destaque ficou mesmo por conta do ataque à flotilha que se dirigia a Gaza, ainda em águas internacionais, na madrugada da segunda-feira 31 de maio, o qual resultou em um número ainda indeterminado de mortos e feridos e na prisão dos ocupantes das seis embarcações que a integravam. A ação provocou uma onda internacional de indignação, levando até mesmo governos tradicionalmente suaves com Israel, como a Alemanha e a França, a se manifestar contra Tel Aviv com uma certa veemência. Entrentanto, o fato é que as suas repercussões têm um grande potencial desestabilizador, não apenas devido à deterioração das relações de Israel com a Turquia, cujo governo promoveu indiretamente a viagem da flotilha, como por ensejar novos conflitos em grande escala contra o Hamas, em Gaza, e o Hisbolá, no Líbano (contra o qual as lideranças das FDI andam sequiosas de uma revanche). Qualquer dessas perspectivas poderá acender o rastilho de um barril de pólvora de altíssimo poder explosivo, em um cenário global onde não faltam "pontos quentes" de poderio idêntico, como a Península Coreana, após o afundamento de uma corveta da Coreia do Sul, atribuído à sua vizinha do Norte.

A despeito de um grande número de comentaristas ressaltar o crescente isolamento de Israel no cenário internacional, tendência que vem se manifestando desde a invasão de Gaza, "cachorros loucos" acuados costumam ser ainda mais perigosos do que quando agem livremente - e mais ainda quando dispõem de um poderoso arsenal nuclear.

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