domingo, 3 de julho de 2011

Renato Rabelo: a natureza do capitalismo, a crise, o mundo em transição e os avanços progressistas das nações latino-americanas

Reproduzimos parte do pronunciamento do presidente do PCdoB, Renato Rabelo, no seminário "Governos de esquerda e progressistas na América Latina e no Caribe - Balanço e perspectivas":


O capital – como uma besta-fera – não pode ser enjaulado, controlado. A essência da lógica capitalista é a reprodução do capital, buscando sempre o lucro máximo. Em conseqüência sua natureza é determinada pela instabilidade e irracionalidade tornando-se suas crises inexoráveis e irreversíveis. O acordo internacional de Bretton Woods, 1944, já sob hegemonia histórica dos Estados Unidos (o dólar passa a ser moeda de reserva, conversível em ouro), tinha como finalidade domesticar o capital, tentando prevenir abalos sistêmicos como o acontecido nos anos 20 e 30 do século passado. Foi estabelecido um “modo de regulação” e formada uma instituição internacional multilateral, como o FMI, provedor de liquidez em última instância.

Esse ânimo regulatório, provocado pela crise de 1929/30, nos marcos da II guerra mundial e do avanço do socialismo, não chegou a completar três décadas. Ele já se desfaz em 1971, com a decisão unilateral do fim da conversibilidade, dólar em ouro, pelos Estados Unidos. Na década de 70 o capitalismo já patinava em baixa produtividade, seu lucro médio declinava e o sistema exigia, para salvar o próprio capitalismo, tornar a circulação do capital livre e desimpedida.

Em 1979, os Estados Unidos, a grande potência capitalista hegemônica deflagra o aumento da taxa de juros, para fortalecer o dólar, impondo maiores perdas aos países periféricos endividados como Brasil – crise da dívida externa. A partir do centro capitalista estadunidense, é imposta a marcha da liberalização financeira globalizada. Desde aí, as regras de “regulação” vão caindo, impondo-se as “virtudes” do que se convencionou denominar de neoliberalismo, um conjunto de prédicas baseadas na abertura financeira para os países dependentes e desregulamentação financeira nos países centrais. Era imposto um novo consenso que levou a enaltecer o papel reorganizador absoluto do mercado, numa relação entre liberalização das contas de capital e desregulamentação financeira, provocando, na busca do lucro máximo do capital, a expansão insustentável do crédito, a injeção de “bolhas” nos mercados financeiros, já implicando na recorrência de sucessivas crises bancárias, cambiais e de endividamento nos países da chamada periferia.

A natureza do capitalismo não pode ser mudada. Se for alterada, deixa de ser capitalismo. Buscam-se sim arranjos nos marcos do próprio capitalismo. Fracassou a tentativa estabelecida em 1944 de prevenir crises como a que sacudiu a economia em 1930. Sucedeu uma situação ainda mais liberal e globalizada do que antes, agora apoiada numa dinâmica que conta com os meios modernos de comunicação. Inverteram-se as regras macroeconômicas do pós-guerra. A consumação da financeirização da economia em escala mundial levou a hipertrofia da esfera financeira, alcançando o capital seu auge especulativo e parasitário. Os desequilíbrios cumulativos se acentuaram e enormes fluxos de capitais financeiros, sem lastro, caminharam desenvoltos entre as economias centrais. Como em toda crise há um detonador. Inexoravelmente esse curso de crescente excitação liberalizante fez explodir a crise com o default do Lehman Brothers, nos Estados Unidos. Foi o sinal do desmoronamento da edificação neoliberal. Desencadeou-se uma derrocada da atividade econômica global. Os mercados financeiros tornaram-se perdidos. Em meados de 2007 se instalou, assim, mais uma crise sistêmica do capitalismo, de maior dimensão e profundidade que as anteriores de 1875 e 1930. A crise, por ser sistêmica, atingiu em cheio os países centrais. Ainda segue e se desdobra cujo epicentro agora é a Europa, sem previsibilidade do que realmente sucederá.

A “mão visível do Estado” veio em socorro dos setores dominantes capitalistas. No centro do sistema estão eles, que devem ser salvos para salvar o próprio sistema. Como sempre, às parcelas majoritárias da população, os trabalhadores, nesses momentos da crise capitalista, lhes são impostos pesadas perdas, levando-os ao desemprego massivo, ao retrocesso de conquistas sociais, ao desespero, à fome e ao abandono de maiores parcelas do povo.

O consenso de Washington e o êxito da resistência dos povos latino-americanos e caribenhos


           Chefes de Estado da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) reunidos em Cancún

O novo consenso, com a volta da liberalização global, imposto pela hegemonia dos Estados Unidos, desde 1979, tomou uma forma mais autoritária e impositiva nos países latino-americanos e caribenhos. O chamado Consenso de Washington impôs a estes países premissas e regras de abertura financeira, Estado mínimo, privatização da economia, desenvolvimento que somente beneficiava uma parte da população (universalização versus foco social). A eles só caberiam uma escolha, um pensamento único, um consenso: a integração plena com as economias centrais pelo caminho da livre circulação de capitais, mercadorias e informações.

A aplicação da linha neoliberal, sustentada pelo consenso impositivo de Washington, aprofundou e agravou, sobretudo, os impasses nacional, econômico e social que vivia o continente latino americano e caribenho. Avançaram as desigualdades, a exclusão social, a dependência econômica, a submissão política, vincando mais fundo a desesperança dos povos dessa região. O período das ditaduras militares, seguido da fase neoliberal, que teve seu ápice na década de 1990, condicionou profundo efeito cumulativo regressivo nesse vasto continente.

Essa foi a causa mais profunda da emergência de ascendente movimento de resistência na America do Sul e Central, que deu lugar ao surgimento de um ciclo progressista inédito e peculiar, de caráter nacional, antiimperialista e democrático. Cuba Socialista venceu heroicamente o período excepcional que viveu após o fim da URSS. E nova situação política na América do Sul despontou com a vitória de Hugo Chaves, na eleição presidencial da Venezuela, em 1998. Desde então, esse novo ciclo compreende hoje quase toda América do Sul, com a posse em 2010 de Pepe Mujica, no Uruguai, e a vitória recente de Olanta Umala, no Peru. E progride na América Central.

A crise capitalista sistêmica, iniciada em 2008, reforçou mais ainda a razão e a convicção do caminho percorrido pelos povos latino americanos e caribenhos, que vêm numa luta contínua para reforçar suas soberanias, superar os ditames neoliberais, democratizar a sociedade, incorporar os deserdados aos frutos do desenvolvimento e abrir caminho para edificação de uma nova sociedade, como acontece na Venezuela, Bolívia e Equador, hasteando desde já a perspectiva de uma transição ao socialismo segundo suas particularidades.

Os países da América Latina compreendem distintas formações sociais e econômicas; as forças à frente de cada governo possuem diferenciadas origens, orientações e objetivos estratégicos; e seu ascenso aos governos nacionais resulta de distintos níveis de acumulação de forças por parte dos setores populares. Por isso, há uma diversidade de processos políticos em curso. Mas, de conjunto, a atual tendência que se desenvolve na América Latina e Caribe tem um sentido geral comum, que aponta para mais soberania das nações, para a busca de aprofundar a democracia e os mecanismos de participação popular, por mais direitos para as massas trabalhadoras e as maiorias do povo e por uma ênfase especial na integração continental de “Nossa América”. A derrota do projeto da ALCA, estratégia que tinha um objetivo abrangente dos Estados Unidos, de integração das Américas sob seu pleno comando, já demonstrou uma viragem do curso político em marcha nesse vasto continente.

Produto dessa inédita realidade vivida pela America Latina e Caribe avança, no seu conjunto, por meio de diversos e complementares mecanismos, a integração continental solidária, cujo sentido estratégico é a conformação de um pólo sul e latino-americano de países soberanos com projetos nacionais e um futuro comum compartilhados. Como afirma Celso Amorim, ex-ministro de Relações Exteriores: “Em um mundo cada vez mais marcado pela competição entre blocos, o nosso bloco é e tem de ser a América do Sul”. No caminho da integração, o passo histórico significativo foi a constituição da Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos, a CELAC, resultante de duas cúpulas no Brasil e no México em que, pela primeira vez, a América Latina e o Caribe se reuniram por autoconvocação, sem a presença dos EUA ou de países europeus. Marcada pelo simbolismo da reintegração de Cuba, a CELAC é um passo decidido na ruptura com o “pan-americanismo” e prepara o terreno para a América Latina exigir numa só voz o fim do profundamente injusto bloqueio estadunidense a Cuba.

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A encruzilhada histórica: capitalismo eterno, ou surgimento de uma nova sociedade, socialista

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Evidenciam-se os limites históricos do capitalismo. É mais nítido do que em qualquer outro período histórico o abismo que separa o capitalismo e o imperialismo das aspirações da humanidade, e torna-se indispensável e urgente a luta por uma nova ordem internacional e um novo sistema econômico e social – o socialismo. O sistema capitalista e o modelo neoliberal, vigente nas últimas décadas, entrou em um grande impasse, desmoralizando seus partidários e apologistas, que pregavam sua infalibilidade.

O capitalismo não é uma formação política, econômica e social eterna. Cada vez mais os povos e os trabalhadores se aproximarão da encruzilhada histórica: capitalismo ou um sistema social superior, cuja alternativa é o socialismo. Nesse sentido é essencial extrair ensinamentos das experiências vividas. Temos convicção que uma das grandes lições que se deve extrair das primeiras experiências de construção do socialismo no século 20 é a idéia de que não há nem modelo único de socialismo nem caminho universal de conquista do poder político. As revoluções vitoriosas do século passado, cada uma delas, na Rússia, na China, no Vietnã, em Cuba seguiram caminhos próprios. A partir da teoria revolucionária marxista-leninista e do pensamento nacional avançado de cada formação econômica social específica, cada povo e cada força revolucionária construirá seu próprio caminho ao socialismo, e construirá o socialismo de acordo com a sua realidade nacional. A luta pelo empreendimento socialista dá seus primeiros passos na cena da historia. Tem sua infância na historia, distinto do capitalismo que já anda na sua terceira idade avançada na historia. Sua vida é a própria manifestação da senilidade do sistema.
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Para ler o pronunciamento de Renato Rabelo na íntegra veja em : http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=157830&id_secao=7

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