quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mais uma tese reacionária: a superpopulação do Planeta

É o velho e abjeto malthusianismo de volta e recauchutado.




O Editorial do Vermelho:

7 bilhões ameaçam a Terra?

No momento em que o mundo alcança a marca de sete bilhões de habitantes (em 31 de outubro), o fantasma de Thomas Robert Malthus anda à solta outra vez. A imensa maioria dos comentaristas faz uma relação imediata entre o tamanho da população e a disponibilidade de alimentos, os mais argutos chegam a comentar o modelo de desenvolvimento dominante, e a conclusão mais comum diz que a Terra chegou a seus limites e que não cabe mais gente no planeta.

O argumento de Malthus já causou alarme quando foi publicado, em 1798 – e a Terra não tinha alcançado, ainda, a marca de um bilhão de habitantes. A produção de alimentos cresce mais lentamente do que a população e vai chegar um momento em que faltarão alimentos para todos, dizia ele. Foi muito criticado já em seu tempo. David Ricardo, um dos fundadores da economia clássica, rejeitou aqueles argumentos como não científicos. Karl Marx foi mais duro na crítica e considerou a argumentação de Malthus fantasiosa, falsa e pueril.

Mesmo assim, ela atravessou o tempo e hoje, mais de duzentos anos passados, ganha a força de uma ideologia que parece comprovada pelo crescimento da população e pelo fato de existir, no mundo, quase um bilhão de famintos.

A Terra chegou mesmo a seu limite? Esta é uma pergunta legítima. Em seu desenvolvimento os seres humanos são vítimas cegas e passivas de condições naturais? Esta é outra questão que merece reflexão.

A crítica marxista do argumento de Malthus enfatizou que, tratando-se de seres humanos, as condições naturais precisam ser consideradas no quadro do desenvolvimento cultural e histórico. As relações que os seres humanos estabelecem entre si na apropriação, produção e distribuição dos bens necessários à vida condicionam sua relação com a natureza.

A maioria dos raciocínios divulgados supõe que o desenvolvimento humano segue uma linha reta e unívoca levando à repetição, no futuro, das mesmas condições atuais. Daí os resultados catastróficos que apresentam. Supõe, em primeiro lugar, a permanência da mesma hegemonia capitalista de hoje, com seus padrões de acumulação e reprodução do capital, mantendo inalteradas suas imposições de produção e consumo. É uma base frágil para previsões de logo prazo!

A base do catastrofismo está ancorada na tese de que o desenvolvimento mundial vai conservar e repetir o mesmo padrão de consumo perdulário que ocorre hoje nos países ricos. Atualmente, por exemplo, o consumo de petróleo nos EUA corresponde a 10 litros por habitante, o dobro do europeu (5 litros) e muito acima do chinês, que é de 0,8 litros. Os países ricos consomem quatro vezes mais energia do que a China ou doze vezes mais do que a América Latina. Em se tratando de alimentos, a diferença é escandalosa, como indicam os dados sobre o consumo de carne. Em 2007 cada norte-americano consumiu 127 kg, quase dez vezes mais do que os haitianos ou senegaleses, com 13 kg; ou quase 20 vezes mais do que os ruandeses, com seus meros seis kg no ano.

Estas diferenças não são “naturais” mas geradas pela forma como a produção e o consumo estão organizados. Na chamada crise de alimentos de 2007, a revista Times reproduziu um comentário significativo de Josette Sheeran, do Programa Mundial de Alimentos. “Nós vemos comida nas prateleiras, mas as pessoas são incapazes de comprá-la,” disse ela pondo o dedo na ferida. O grande problema dos alimentos no mundo não é o excesso de gente mas a subordinação de sua produção e comercialização aos grandes interesses financeiros e especulativos. Quase todos os alimentos estão submetidos ao mecanismo conhecido como mercado futuro; os especuladores compram safras que muitas vezes ainda nem foram plantadas para ganhar jogando com as variações dos preços no futuro, e os preços disparam quando mais capitalistas entram nesse jogo, disputando os ganhos previstos em apostas de crescimento (especulativo) dos preços.

Outro aspecto é a especulação com os estoques, como noticiou a revista Times em 2009: “quando os preços das safras sobem, manter o estoque para a próxima venda pode gerar lucros mais altos do que vender para satisfazer a demanda atual. Ou se os preços divergem em diferentes partes do mundo, o estoque pode ser transferido para o mercado mais lucrativo”.

A especulação não faz parte, evidentemente, das condições naturais – elas estão ligadas à ganância e à busca de lucros máximos e incessantes cujo resultado é a fome gerada não pela escassez mas pelo desemprego e pela pobreza.

Nesse sentido, tem razão o diretor-geral do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, quando disse, em 2009, que a segurança alimentar é “uma questão de prioridade diante das necessidades humanas fundamentais”. A fome resulta de “decisões fundamentadas em motivações voltadas ao ganho material, em detrimento dos referenciais éticos”, num mundo desigual onde “um número restrito de pessoas enriquece cada vez mais enquanto a maioria da população empobrece”, embora existam os “meios econômicos suficientes, tecnologias eficazes e recursos naturais e humanos para eliminar definitivamente a fome no mundo".

A farsa de Malthus é uma ideologia atualizada e repetida à exaustão. Ela esconde a defesa da manutenção do sistema capitalista e sua imposição de ganhos crescentes. O dogma dessa farsa é uma sociedade fixa e estática, cujas condições se repetem ao longo das gerações. Mas, ao contrário, a sociedade humana muda ao longo do tempo, altera a forma de organização da vida, da produção e do consumo e acena, para o futuro, para novos passos civilizatórios para atender às necessidades de cada um dos seres humanos. Nesse sentido, não é a Terra que esgotou suas possiblidades, mas a forma como a vida está organizada hoje, sob as imposições do modo de produção capitalista e dos especuladores que o comandam. É o capitalismo que chegou a seus limites e exige a ultrapassagem por uma forma social superior.

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